Polêmica

Fantasias no Cassino levantam debate sobre blackface

Questionamentos sobre pessoas brancas fantasiadas de pretas apontam racismo, enquanto foliões alegam tradição histórica

Foto: Arquivo - Universidade de Duke - Blackface é realizado desde 1830 e foi criado com objetivo ridicularizar pessoas pretas

Por Lucas Kurz
[email protected]

Durante os desfiles dos blocos de Carnaval no Cassino, em Rio Grande, uma estudante de Jornalismo, insatisfeita com pessoas brancas usando blackface - que consiste em fantasiar-se de negro, pintando o rosto e o corpo de preto, em tom caricato - decidiu reclamar nas redes sociais e levantar debate alegando que a postura representaria racismo. A manifestação gerou repercussão na cidade nos últimos dias, dividindo opiniões e gerando, de um lado, repúdios apontando racismo estrutural e, de outro, defesa de algo considerado tradicional de um dos blocos, que também leva fantasias de indígenas, ciganos e homens vestidos de mulheres.

Autora da manifestação de repúdio às fantasias com blackface, Taís Carolina Amaral Pereira, 24, é aluna da Universidade Federal de Pelotas, comunicadora de uma rádio local e cantora. Ela diz que a publicação nas redes sociais se deu após o incômodo que ela e uma amiga sentiram por terem visto pessoas pintadas de preto na rua, após o final dos blocos na terça-feira. Embora ela não tenha citado nomes, comentários na publicação original e defesas em outras manifestações apontaram o Bloco da Marilu como o pivô do embate. Segundo ela, no entanto, isso teria ocorrido em diversos blocos. A estudante explica que considera o ato racista, um crime.

Segundo Taís, a repercussão surpreendeu, com diversas mensagens agradecendo a exposição de um tema tão sensível. Por outro lado, também sofreu acusações de que própria estaria sendo racista - mesmo sendo negra -, ou haveria falta de conhecimento. "As pessoas ainda têm o pensamento, elas gostam de seguir a tradição. Tem gente que prefere ser ignorante a abrir a cabeça, a se atualizar e entender que não é porque uma prática vinha sendo feita há anos que ela tem que seguir sendo feita", desabafa.

Figuras públicas partiram em defesa da jovem. O ex-árbitro Márcio Chagas compartilhou a publicação, criticando o blackface. A deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB) resgatou em publicação a história da "fantasia", dizendo que existe desde pelo menos 1830 e que tinha como objetivo ridicularizar pessoas pretas, afirmando que o ato contribui para uma ideia negativa sobre a pessoa negra. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, por meio da delegacia de Rio Grande, também repudiou os atos e as críticas que a estudante da área sofreu. O coletivo pediu, também, que expedientes de cunho preconceituoso e discriminativo sejam combatidos.

Movimento negro também critica

Em vídeo publicado, o vice-presidente da União Nacional de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro-RG), Chendler Siqueira, que também é assessor da deputada Bruna Rodrigues, diz que não há graça em fantasiar-se de pessoa preta, destacando o racismo estrutural na sociedade. "Algumas pessoas estão acusando a jornalista de vitimismo. Na realidade, já está mais do que na hora da gente rediscutir algumas práticas que envolvem o racismo recreativo." Ao DP, ele também destacou a legislação atualizada que tipifica como crime de racismo a injúria racial e que prevê pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividades esportiva, artísticas ou culturais e pena para o racismo religioso e recreativo. "Tá na hora de fazer valer as legislações", cobra o ativista.

Bloco da Marilu se defende

Nas publicações, foram muitos os defensores das fantasias - incluindo pessoas negras, dizendo não sentirem-se ofendidas. Desde os anos 80, o Bloco Carnavalesco Marilu Popular destaca-se, justamente, pelo cunho popular e seu símbolo é uma boneca negra. Nele há diversos tipos de fantasias, como homens vestidos de mulheres, indígenas, ciganos e, também, negros. Por isso, o presidente do bloco, Jorge Luiz, o Pirulito, defende que não há ofensa, mas sim homenagem. "Da Marilu ela não falou nada, só falou da fantasia dos caras. Mas daquela turma ali, dois são pretos", rebate. Ele diz que o bloco não cogita mudar orientações por conta das críticas.

Segundo Pirulito, o bloco parte do princípio que é uma representação, não uma caricatura ofensiva. "Não tem essa aí, é tudo igual", aponta. Ele diz que, antes da estudante, não houve qualquer outra crítica apontando racismo. "É fantasia, cada um sai do jeito que quer. A Marilu é negra e vai ser sempre aceita pela sociedade. É um dos melhores blocos do Estado e o pessoal gosta da Marilu." Mas ele ressalta que o bloco consiste na bateria e na boneca e que não há como ter controle do público externo que participa. "Quem faz esse tipo de fantasia é o pessoal que sai na Marilu independente."

O que diz a Prefeitura

A Secretaria do Cassino organizou os blocos. Titular da pasta, Sandro Oliveira, o Boka, diz que não percebeu a situação no momento, apesar de estar no bloco Marilu. No entanto, diz que em março haverá reunião da Secretaria com os blocos para avaliar questões e que o tema deverá entrar em pauta, assim como manifestações políticas que ocorreram. Ele aponta que considera necessário realizar adaptações para que a festa seja democrática e inclusiva para novos momentos da sociedade, considerando que algumas situações, outrora aceitáveis, hoje já não têm mais espaço.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Tarifas de ônibus em Pelotas seguirão sem reajuste até agosto Anterior

Tarifas de ônibus em Pelotas seguirão sem reajuste até agosto

Censo 2022: meta alcançada, mas ainda tem município mobilizado Próximo

Censo 2022: meta alcançada, mas ainda tem município mobilizado

Deixe seu comentário